Alívio no teste de stress impacta transferência de créditos habitação
Medida do BdP para facilitar acesso a empréstimos para comprar casa teve impacto reduzido nos novos contratos, mostra relatório.
A forma de cálculo para a concessão de novos contratos de crédito habitação sofreu mudanças na reta final de 2023. Para adequar as regras ao atual contexto de juros elevados e facilitar o acesso aos empréstimos para comprar casa, o Banco de Portugal (BdP) resolveu rever a fórmula das taxas de esforço, reduzindo o teste de stress de 3% para 1,5%. Mas será que esta medida teve reais efeitos no mercado da habitação? Ao que tudo indica, o alívio do teste de stress terá tido um impacto limitado na procura por empréstimos para a compra de primeira habitação, já que esta modalidade perdeu expressão para as transferências de crédito, tendo-se registado apenas um ligeiro aumento dos casos que pediram mais financiamento bancário, tal como se pode concluir a partir do relatório trimestral do idealista/créditohabitação em Portugal. O que prevalece é a tendência de comprar casas mais baratas e pedir menos dinheiro emprestado à banca, segundo mostram também estes dados.
Foi no dia 16 de outubro de 2023 que entrou em vigor a instrução do Banco de Portugal que alivia a recomendação do teste de esforço aplicado nos empréstimos habitação a taxa variável e mista (em período variável), passando a simulação de aumento de juros de 3% para 1,5%. Este alívio no teste de stress permite adequar a recomendação macroprudencial ao contexto atual marcado pelos juros e custos de vida em alta. E tem várias implicações nos créditos habitação concedidos às famílias, como:
- Facilita o acesso ao crédito habitação: antes, com a Euribor no patamar dos 4%, o teste de stress de 3% colocaria a taxa de juro nos 7% (ao simular um contexto de maior aumento dos juros) e quem obtinha uma taxa de esforço superior a 50% (o limite máximo), via-se impedido de aceder ao crédito habitação. Agora, com a taxa de juro em situação de stress ser calculada com 1,5%, reduz-se a taxa de esforço de muitas famílias para baixo do limite máximo de 50% e possibilitando, assim, a contratação de um empréstimo;
- Maior percentagem de financiamento: ao reduzir a taxa de esforço, as famílias também podem ver a percentagem de financiamento do crédito habitação subir. Por exemplo, se antes uma família só podia obter um máximo de 70% do menor valor entre a avaliação bancária e o preço da casa, agora pode conseguir financiamento para a compra da mesma casa a 80% ou até 90% (o limite máximo permitido pelo regulador português), desde que a taxa de esforço seja de 50% ou inferior;
- Maior valor contratado no crédito habitação: como as famílias conseguem obter maior percentagem de financiamento bancário com a redução da sua taxa de esforço, o valor contratado no crédito habitação também poderá ser maior. Vejamos o caso da compra de uma habitação por 200 mil euros, se antes só conseguiam 70% deste valor (140 mil euros), agora podem conseguir 90%, ou seja, um financiamento de 180 mil euros.
Foto de Mikhail Nilov no Pexels
Quando a medida foi aprovada, a Associação Portuguesa de Bancos (APB) aplaudiu-a e considerou-a “positiva”, uma vez que o cálculo da taxa de esforço estava a dificultar o acesso das famílias ao crédito habitação. Mas também houve especialistas que consideraram que, afinal, esta medida teria baixo impacto na concessão de créditos habitação no país. Foi o caso do economista Filipe Garcia, explicando que os bancos já tinham a possibilidade de financiar quem não cumprisse estes critérios (teste de esforço), mediante uma justificação, pelo que a medida veio “facilitar” a atividade dos bancos. Também Natália Nunes, diretora do Gabinete de Proteção Financeira da Deco, alertou que a medida acarreta “mais riscos, porque no fundo alarga o quadro de dívida das famílias”.
De facto, o ajuste do teste de stress para 1,5% aumenta as probabilidades de aceder ao crédito habitação e também de ter acesso a patamares de financiamento mais elevados. Mas será que esta medida, por si só, foi suficiente para incentivar a contratação de crédito habitação na reta final de 2023? Os dados do mais recente relatório do idealista/créditohabitação em Portugal, relativo ao quarto trimestre do ano passado, sugerem que a medida terá tido baixo impacto, pelo menos, na contratação de novos empréstimos para a compra de primeira habitação, já que esta finalidade perdeu expressão para as transferências de crédito e apenas se registou um ligeiro aumento dos casos que pediram mais financiamento bancário (entre 80-90%).
Foto de Edmond Dantès no Pexels
Créditos habitação (principal) contratados perdem expressão no final de 2023
A procura de crédito habitação para comprar aquela que é a primeira casa das famílias continua a ser bem expressiva em Portugal. Isto porque quase 7 em cada 10 pedidos de financiamento que chegaram aos intermediários de crédito habitação do idealista dizem respeito à compra de primeira habitação. Já as transferências representam 7,1% do total dos pedidos registados nos últimos três meses de 2023.
Mas olhando para o total de créditos habitação contratualizados entre outubro e dezembro, salta à vista que os empréstimos para a compra da primeira habitação têm uma expressão bem inferior (35,5%), tendo sido mesmo ultrapassados pelas transferências de crédito (38% do total). Esta é uma realidade que também contrasta com a observada no trimestre anterior em que os contratos para aquisição da primeira casa superavam as transferências.
De qualquer forma, a larga maioria destes créditos para compra da habitação principal contratados desde outubro até dezembro acabou por beneficiar deste alívio do teste de stress, já que cerca de três em cada quatro foram formalizados a taxa mista e 7% a taxa variável.
Os dados sugerem, assim, que o alívio no teste de stress até pode ter contribuído para estimular a procura de novos créditos habitação em Portugal, mas não foi suficiente para que mais famílias avançassem efetivamente com a compra da primeira casa com recurso a financiamento bancário. Ao que tudo indica, esta medida deverá ter ajudado a que mais mutuários avançassem com a transferência de créditos já existentes para outros bancos, de forma a obter melhores condições e até prestações da casa mais baixas, num contexto em que os juros continuam elevados (embora as taxas Euribor já estejam a dar sinais de descida em reação à manutenção dos juros do BCE).
Esta mudança de cálculo da taxa de esforço das famílias – por via do teste de stress – também não teve impacto no que diz respeito ao montante de créditos habitação concedido pelos bancos, já que o valor médio emprestado caiu para 160.712 euros, um valor 10,5% inferior ao registado no trimestre anterior e 11,6% menor face ao período homólogo. Além disso, a proporção de famílias que pediram créditos financiados entre 80% e 90% (o nível mais elevado) pouco subiu na reta final do ano, tendo abrangido 51% das escrituras de crédito para compra de primeira casa – só 0,1 pontos percentuais acima da registada no trimestre anterior.
O que parece prevalecer é a tendência de as famílias comprarem casas mais baratas (com preços inferiores a 200 mil euros) e pedir menos dinheiro emprestado aos bancos (tanto quanto possível), para conseguir ter prestações da casa compatíveis com os seus rendimentos familiares, numa altura em que tantos os juros, como os preços das casas continuam elevados, e o poder de compra pressionado (embora a inflação esteja abaixo de 2% no país).
Retirado do Idealista – Adaptado por Dicas Imobiliárias
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