Problemas com vizinhos? Como atuar legalmente

Em primeiro lugar, o ideal é procurar uma solução amigável. Mas nem sempre é possível. Explicamos como proceder nesses casos.

Boa vizinhança
No processo de procura de casa, a vizinhança é um dos fatores a ter em conta, mas afinal acaba por ser um pouco como jogar na roleta russa: nunca se sabe o resultado final. Isto porque, os vizinhos podem tornar-se amigos e contribuir para uma vida melhor, mas também podem ser uma verdadeira dor de cabeça. Vizinhos barulhentos, infiltrações por causa dos vizinhos, chatices com as obras dos vizinhos, vizinhos que têm dívidas ao condomínio, etc… Estes são apenas alguns dos problemas com vizinhos, que podem mesmo fazer com que se decida mudar de residência, procurando uma outra casa para comprar ou arrendar. E como se pode atuar legalmente nestes casos? Respondemos com fundamento legal.Boa vizinhançaTer vizinhos com quem partilhar a vida de forma saudável é o ideal. / Foto de Askar Abayev en PexelsO direito de propriedade confere ao(s) proprietário(s) o gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe(s) pertencem. Contudo, o exercício deste direito comporta limitações que decorrem da lei, bem como, no domínio da propriedade horizontal, do Regulamento de Condomínio. “Assim, a propriedade, sendo plena, implica algumas restrições que resultam do simples facto de vivermos em sociedade”.Quando consideramos eventuais problemas com vizinhos, aquilo que salta logo à mente é que se trata de uma realidade intrínseca à propriedade horizontal, mas nem sempre é assim, visto que as violações ao direito de propriedade de cada um podem revestir diversas formas, e, como tal, também surgem problemas entre vizinhos que não vivem em frações de um edifício em propriedade horizontal, designadamente nas comumente designadas moradias geminadas.Cumpre, por isso, distinguir genericamente estes dois cenários, o de edifícios em propriedade horizontal, dos restantes, na análise de possíveis problemas entre vizinhos e formas de os solucionar.Na prática, a importância desta distinção resulta de, habitualmente, nos edifícios em propriedade horizontal existir um Regulamento de Condomínio (obrigatório sempre que se verifique a existência de mais de quatro condóminos). Ora, o Regulamento de Condomínio estabelece um conjunto de deveres e obrigações dos condóminos, o que significa que é um documento essencial para quem vive neste tipo de edifícios, revestindo ainda maior importância quando surgem eventuais violações por algum vizinho.Vizinhos incómodosTer infiltrações em casa provocadas por vizinhos costuma ser habitual. / Foto de SHVETS production en PexelsOutra distinção que importa fazer de antemão é que, as eventuais violações por um vizinho de direitos de outro(s) condómino(s), pode afetar apenas esse(s) condómino(s) determinados, ou pode afetar o uso das partes comuns, situação em que o Administrador do Condomínio pode e deve também atuar no sentido de sanar a violação.Podemos resumir as limitações ao exercício de direitos pelos condóminos às seguintes, que correspondem maioritariamente às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de imóveis, tais como a emissão de fumo, vapores, cheiros, calor, ruídos, trepidações e outros fatos semelhantes que importem prejuízo substancial para o uso do imóvel, sendo especialmente vedado aos condóminos:Prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício;Destinar a sua fração a usos ofensivos dos bons costumes;Dar-lhe uso diverso do fim a que é destinada;Praticar quaisquer atos ou atividades que tenham sido proibidos no título constitutivo ou, posteriormente, por deliberação da assembleia de condóminos aprovada sem oposição;Obras que modifiquem a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício, salvo prévia autorização da assembleia de condóminos.O que fazer, então, perante a violação destes direitos por parte dos vizinhos?Em primeiro lugar, procurar uma solução amigável para resolver os conflitos com os vizinhos. Aconselha-se a fazê-lo antes de atuar legalmente, independentemente do tipo de violação, visto que, não se pode esquecer que em circunstâncias normais, e exceto se alguma das partes envolvidas sair do imóvel, a relação de vizinhança vai manter-se, e que amanhã poderá ser o “ofendido” a violar algum direito do vizinho.Problemas com vizinhosDeve tentar-se falar com os vizinhos para solucionar os problemas de forma amigável. / Foto de Keira Burton en PexelsSe isso não for possível, então é necessário munir-se de todos os elementos de prova que demonstrem a violação do direito de propriedade.São elementos de prova, por exemplo, e dependendo do tipo de violação:fotografias,vídeos,recolha de registos de áudio,testemunhas (designadamente outros vizinhos, mas não exclusivamente),documentos (interpelações por mensagem, email e, obrigatoriamente, por carta registada com aviso de receção),contatos com as autoridades, concretamente forças de segurança púbica e entidades públicas administrativas (Câmara Municipal, entidades camarárias,…)outras, em função do problema, que possam atestar os factos.Quais as vias legais para resolver problemas com vizinhos?Após estarem reunidos todos os elementos de prova, e uma análise cuidada, preferencialmente com advogado, e sem que tenha sido possível obter uma resolução amigável, pode o “ofendido” recorrer aos Julgados de Paz, aos tribunais comuns ou a um processo de arbitragem.vizinhos barulhentosVizinhos que fazem ruído podem ser uma verdadeira dor de cabeça. / Foto de Artem Podrez en PexelsSumariamente, poderá recorrer a um Julgado de Paz caso exista algum com competência territorial e o valor da ação (eventual indemnização pelos danos causados pelo vizinho) não ultrapasse os 15 mil euros e desde que o Regulamento do Condomínio não obrigue o compromisso arbitral para a resolução do litígio.Sendo possível recorrer ao Julgado de Paz, e após aconselhamento com advogado, o processo decorre com o apoio de um mediador que tentará a conciliação entre as partes e, se não for possível esse acordo, avança para julgamento.O “ofendido” deve comparecer pessoalmente e pode fazer-se acompanhar por advogado, advogado-estagiário ou solicitador. O Juiz de Paz, no final, profere decisão que, note-se, é suscetível de recurso pela parte vencida para o tribunal, sempre que o valor exceda metade do valor da alçada do tribunal judicial de 1.ª instância, a saber, a partir de 2.500,01 euros.obras dos vizinhosA realização de obras em casa pode ser fonte de conflitos com os vizinhos. / Foto de Bidvine en PexelsNão sendo possível recorrer ao Julgado de Paz, ou não sendo a melhor hipótese para o caso em concreto, pode recorrer-se aos tribunais judiciais, fazendo-se as partes representar por advogado.Por fim, e retomando o atrás referido, sendo o mais comum, nem sempre os problemas surgem entre vizinhos que vivem em edifício em propriedade horizontal, propriamente dita. Na mesma situação estão aqueles que vivem em edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afetadas ao uso de todas ou algumas unidades ou frações que as compõem, ou seja, àqueles casos de propriedade horizontal de conjunto de edifícios, também designada por propriedade vertical. Adicionalmente e genericamente, podem também agir legalmente todos aqueles titulares de um direito de propriedade que seja violado, não esquecendo que, em qualquer das situações, o sucesso da ação depende da prova.