Herança de imóveis: qual é o papel do cabeça de casal?
O cabeça de casal é responsável por gerir os imóveis até às partilhas. Mas há poderes que competem a todos os herdeiros.
Quando um familiar falece dá-se o processo de sucessão hereditária, que é complexo e implica a gestão do património. É aqui que o cabeça de casal assume especial importância, estando no centro do processo, pois é a figura jurídica responsável pela administração do património deixado pelo falecido até à partilha dos bens. Mas, afinal, qual é o verdadeiro papel do cabeça de casal na herança de imóveis? E quais são os seus direitos e deveres? Explicamos tudo neste artigo preparado pelo idealista/news, com fundamento jurídico.
Quem assume o cargo de cabeça de casal?
O cargo de cabeça de casal na gestão da herança dos imóveis pode ser atribuído por acordo entre os herdeiros. Mas na falta de acordo dos interessados, a pessoa chamada a assumir esta função será definida de acordo com a seguinte ordem de preferência estabelecida no artigo 2080.º do Código Civil PortuguêsO cônjuge sobrevivo, não separado judicialmente de pessoas e bens, se for herdeiro ou tiver meação nos bens do casal;
- Se existir testamento, o testamenteiro, salvo declaração do testador em contrário;
- Os parentes que sejam herdeiros legais de acordo com a seguinte ordem e sem prejuízo dos critérios de preferência abaixo indicados: descendentes (filhos), ascendentes (pais) e colaterais até ao 4º grau.
- Os herdeiros testamentários.
“De entre os parentes que sejam herdeiros legais, preferem os mais próximos em grau. De entre os herdeiros legais do mesmo grau de parentesco, ou de entre os herdeiros testamentários, preferem os que viviam com o falecido há pelo menos um ano à data da morte. Em igualdade de circunstâncias, prefere o herdeiro mais velho“, refere o artigo 2080.º do Código Civil.
Mas a quem incumbe o exercício do cargo de cabeça de casal no caso de o falecido ter distribuído em legado todo o património? “Neste caso, é nomeado como cabeça de casal, em substituição dos herdeiros, o legatário mais beneficiado, sendo que, em igualdade de circunstâncias, preferirá o mais velho”, esclarece a advogada.
Foto de Vlada Karpovich no Pexels
Qual o papel do cabeça de casal na gestão dos imóveis que integram a herança?
Além do dever específico no que toca à relação de todos os bens que devem integrar a herança, ainda que a sua administração não lhe pertença, “o cabeça de casal deve administrar o património hereditário com prudência e zelo, evitando a deterioração ou depreciação do seu valor, assegurar o pagamento de dívidas e encargos relacionados com esse património e prestar contas anualmente aos demais herdeiros”, refere ainda a especialista da Belzuz Abogados.
A gestão da herança deve ser feita no interesse da herança e apenas deve compreender os atos de reparação necessária ou de conservação, e os de frutificação normal dos bens administrados.
Mas o cabeça de casal não tem apenas deveres, a sua posição também lhe confere certos direitos. “Ele tem o direito a ser informado de qualquer questão relacionada com os bens imóveis da herança, a ter acesso a todos os documentos e registos necessários para o cumprimento das suas funções, e pode ainda solicitar assistência jurídica ou pericial para a avaliação dos imóveis”, aponta Susana Mendes Inácio.
A generalidade dos atos de administração da herança compete, de facto, ao cabeça de casal, embora a competência para a prática de certos atos só a têm todos os herdeiros em conjunto.
Assim, o cabeça de casal tem os seguintes poderes gerais de administração da herança conferidos pela lei:
- vender os frutos ou outros bens deterioráveis (por exemplo, os frutos de prédios rústicos), podendo aplicar o produto na satisfação das despesas do funeral e sufrágios (missas, preces), bem como no cumprimento dos encargos da administração;
- vender os frutos não deterioráveis, na medida do necessário para satisfazer as despesas do funeral e sufrágios;
- pedir aos herdeiros ou a terceiro a entrega dos bens que deva administrar e que estes tenham em seu poder, usando contra eles as ações possessórias a fim de ser mantido na posse das coisas sujeitas à sua gestão ou a ela restituídos;
- cobrar dívidas ativas da herança, quando a cobrança possa perigar com a demora ou o pagamento seja feito espontaneamente;
- entregar a qualquer dos herdeiros ou ao cônjuge meeiro, que o solicite, até metade dos rendimentos que lhes caibam;
- dar de arrendamento bens da herança por prazo até seis anos, manter arrendadas as propriedades e cobrar as respetivas rendas, fazer as obras necessárias à conservação dos bens da herança, pagar os impostos e contribuições, água, luz, salários, prémios de seguro, etc, continuar os negócios do falecido (exploração agrícola, pecuária, etc);
- representar a herança perante terceiros, designadamente junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), procedendo à declaração Modelo 1 do Imposto de Selo no prazo de 3 meses a contar do falecimento, apresentar, durante o período em que os bens estão sob a administração do cabeça de casal, uma declaração eletrónica até 31 de março para identificar os herdeiros e as quotas, que devem ser confirmadas pelos herdeiros até 30 de abril, no caso de AIMI, e garantir que os rendimentos obtidos (prediais ou outros) sejam devidamente declarados para efeitos de IRS;
- prestar contas anualmente aos demais herdeiros, se tiver obtido lucro ou realizado despesas, na administração da herança.
Mas o cabeça de casal não pode, por exemplo, proceder ao corte de árvores, constituir garantias patrimoniais (hipotecas), nem efetuar benfeitorias úteis (a construção de uma garagem, a instalação de grades ou o fechamento de varandas) ou voluptuárias (como uma piscina) sobre os bens da herança.
Foto de Luis Quintero no Pexels
O que é que o cabeça de casal só pode fazer com o acordo de todos os herdeiros?
Só todos os herdeiros, juntos, é que têm poder sobre a herança, tendo competências para:
- vender os bens hereditários, móveis ou imóveis (os frutos podem ser alienados pelo cabeça de casal);
- pagar as dívidas da herança (fora dos casos de despesas de funeral, sufrágio e administração);
- exigir judicialmente créditos da herança, cuja cobrança não perigue com a demora.
Nestes casos, o cabeça de casal tem de obter uma autorização expressa de todos os herdeiros ou decisão judicial nesse sentido.
Assim, “o cabeça de casal não tem o poder de usufruir pessoalmente dos imóveis ou decidir unilateralmente sobre o seu destino. As suas decisões são vinculativas apenas no âmbito da preservação e administração prudente do património hereditário”, refere Susana Mendes Inácio.
O que acontece ao cabeça de casal se não cumprir os seus deveres?
O incumprimento dos deveres do cabeça de casal enquanto administrador da herança, implica as seguintes consequências legais, segundo a advogada da Belzuz:
- caso não desempenha as suas funções com prudência, zelo e competência, poderá ser removido do cargo, sem prejuízo de outras sanções que caibam ao caso, como a responsabilidade civil ou criminal e restituição por enriquecimento sem causa;
- em caso de sonegação de bens da herança, pode perder em benefício dos coherdeiros o direito que possa ter a qualquer dos bens sonegados;
- caso celebre contratos de arrendamento por prazo superior a 6 anos, em representação da herança, tais contratos são anuláveis.
“Se um ou mais herdeiros considerarem que o cabeça de casal está a agir de forma negligente, imprudente ou parcial, podem pedir a sua remoção. Nestes casos, o tribunal avaliará se o cabeça de casal está a agir em conformidade com os seus deveres legais. Além disso, o próprio cabeça de casal pode, a todo o tempo, escusar-se do cargo se considerar que não tem condições para desempenhar as suas funções, designadamente por motivo de doença ou de idade (se tiver mais de 70 anos de idade)”, esclarece ainda Susana Mendes Inácio.
Foto de Diego García na Unsplash
Conflitos nas heranças de imóveis: qual o mais comum?
Um dos conflitos mais comuns entre herdeiros trata-se dos casos em que os imóveis (rústicos ou urbanos) são utilizados exclusivamente por um dos herdeiros (seja ou não cabeça de casal) sem qualquer contrapartida ou renda. Isto porque, embora na teoria todos os bens da herança devam ser entregues ao cabeça de casal para administrar, a utilização de um imóvel da herança pelo cabeça de casal para sua habitação não integra um ato de administração da herança.
“A utilização por qualquer herdeiro dos bens da herança em proveito próprio, nas situações em que o cabeça de casal não exerça os seus poderes de administração sobre os bens da herança, deve considerar-se sujeita ao regime do artigo 1406º do Código Civil, face à ausência de uma previsão específica no direito sucessório deste tipo de situações”, explica a advogada especialista em direito da família.
E a utilização de um bem da herança por um dos herdeiros só determina uma privação do uso pelos outros, se contrariar a vontade manifestada de algum deles lhe dar outra utilização. “Manifestada uma oposição a esse uso, a manutenção daquela ocupação passa a ser ilícita, uma vez que priva o herdeiro contestatário da posse de um bem comum, devendo este, e apenas ele, ser indemnizado da privação sofrida”, nota ainda.
Ocorrendo uma ocupação por um herdeiro de um imóvel pertencente a uma herança, impeditiva do seu uso por outro herdeiro, “o prejuízo causado a este último corresponde à parte do valor locativo daquela unidade predial no mercado de arrendamento, durante todo o período em que se verificar tal ocupação, correspondendo essa parcela à quota desse herdeiro na herança”, esclarece a advogada.
A partilha dos imóveis: o papel final do cabeça de casal
A função do cabeça de casal termina com a partilha da herança, momento em que os imóveis são atribuídos aos herdeiros de forma individualizada. O cabeça de casal participa ativamente na partilha, apresentando o inventário e propondo uma divisão justa dos bens. No entanto, a decisão final sobre a partilha é sempre tomada de comum acordo entre os herdeiros ou, na ausência de consenso, pelo tribunal.
Uma vez finalizada a partilha, o cabeça de casal deverá prestar contas detalhadas da sua gestão, incluindo a administração dos imóveis e a distribuição de quaisquer rendimentos gerados durante o período de gestão.
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