“Só volto para os EUA numa urna”: após se ter mudado para Portugal com o marido, esta americana diz que nunca mais regressará ao seu país
Eles sempre planearam mudar-se para outro país que não os EUA quando se reformassem, mas quando a pandemia de Covid-19 chegou em 2020, Cynthia Wilson e o marido, Craig Bjork, sentiram-se obrigados a adiar os seus planos.
A parelha, que se casou em 2009, já tinha escolhido Portugal como o seu destino após terem procurado no Google “melhores sítios para os americanos se reformarem” e terem descoberto que o país europeu – que Wilson nunca tinha visitado – estava num lugar cimeiro da lista.
“É engraçado, porque já visitei uns 33 países e quase todos no noroeste da Europa”, diz Wilson, natural de Seattle, no estado de Washington, à CNN Travel. “Estive em países como a Estónia, mas não sabia quase nada sobre Portugal.”
Momento ‘a-ha’
Por sorte, o marido de Wilson, um ex-marine dos EUA, “sabia tudo sobre Portugal”.
“Para mim foi um momento a-ha”, diz a ex-chef e dona de um restaurante, explicando que Bjork tinha estado estacionado em Lisboa no final da década de 1970 e que “tinha-me contado histórias sobre a vida dele lá”.
O casal, que se conheceu quando ambos estavam na casa dos 50 anos, começou por se conectar pela paixão de ambos em viajar, e Wilson diz que isso se tornou “uma conversa sem fim” desde então.
“Começámos a falar sobre as nossas viagens”, recorda. “E ainda continuamos a falar sobre as nossas viagens.”
Assim que se casaram, Wilson e Bjork, que na altura estavam a viver no Kansas, começaram a pensar mais seriamente no tipo de vida que queriam ter quando se reformassem.
“Ambos víamos os nossos pais a gastar as suas poupanças todas e pensões em cuidados médicos”, diz Wilson, explicando que fizeram muita investigação sobre o custo de vida em Portugal e que descobriram que era mais favorável.
“E, em Portugal, podíamos manter o nosso dinheiro para viagens. Éramos obrigados a ter um seguro de saúde médico privado como parte do nosso processo de visto. Mas também teríamos acesso ao sistema nacional de saúde, em particular para hospitalizações.”
Wilson e Bjork, que dantes geriam uma roulotte de comida chamada LumpiaPalooza e o Cafe Parsnipity em Wichita, no Kansas, inicialmente deram a si próprios seis anos “para planear e sonhar com a mudança para Portugal”-
Contudo, optaram por acelerar as coisas “em vez de nos endividarmos para manter o nosso negócio à tona” durante a pandemia.
“Decidimos reformar-nos dois anos mais cedo”, explica Wilson. “Então pedimos a reforma em 2020 e começámos a tratar da papelada.”
O casal candidatou-se a um visto D7, também conhecido como “visto de reforma”, que os obriga a cumprir requisitos específicos, incluindo ou uma prova de compra de uma casa no país ou um contrato de arrendamento de pelo menos 12 meses.
Espírito de comunidade
Dedicaram muito tempo e energia a escolher a cidade onde iriam viver, eventualmente optando pela pequena cidade da Marinha Grande, situada na Costa da Prata, famosa pela praia de surf Nazaré.
Wilson explica que estavam empenhados em mudar-se para um sítio onde pudessem integrar-se na comunidade local e passar tempo com pessoas portuguesas em vez de estarem com outros americanos.
”Muitas pessoas que se mudam para Portugal gostam de se autointitular ‘expats’ e passam o tempo em ‘meetups’ onde podem queixar-se a outros ‘expats’ de como ninguém em Portugal fala inglês, de como não conseguem encontrar aquela marca exata de feijão enlatado e acusar os ‘nativos’ de serem impossíveis de conhecer”, conta.
“Não era esta a vida que nós queríamos. Queríamos ser imigrantes, pessoas que se mudam para um novo país para se tornarem parte da cultura e da comunidade desse país.”
Assim que os seus vistos foram aprovados e que as restrições gerais por causa da Covid foram levantadas, o casal mudou-se para a Marinha Grande, que tem uma população de quase 40 mil pessoas, em janeiro de 2022.
Inicialmente ficaram num Airbnb, que lhes custavam cerca de 800 dólares por mês, e depressa deram por si a receber alguns dos amigos com quem tinham comunicado através de uma página de Facebook da cidade antes da viagem.
“Eu cozinhava o jantar no nosso Airbnb duas ou três vezes por semana para os nossos amigos portugueses”, conta Wilson, antes de acrescentar que foram calorosamente recebidos pelos locais, que pareciam ficar intrigados com eles.
“As pessoas nunca nos viram como americanos”, diz Wilson. “Acho que não nos conseguiam identificar de todo. Raramente nos consideravam americanos e nós estávamos à vontade com isso.”
Assim que o casal começou a instalar-se na sua nova vida, Wilson, que se descreve como uma “perfecionista”, debateu-se com o facto de ter tanto tempo em mãos.
Reforma antecipada
“A reforma tem sido difícil para mim”, admite. “Porque sou uma pessoa ‘tipo A’. Durante toda a minha vida trabalhei, trabalhei, trabalhei. Tenho uma lista e vivo de acordo com essa lista.”
“E agora é do estilo, nem sequer sei em que dia da semana estou. E isso tem sido uma luta. Mas estou no sítio certo para gerir isso. Porque é bastante OK aqui. Ninguém,me olha com desprezo por não estar a correr para todo o lado a tentar alcançar, alcançar e alcançar.”
Wilson e Bjork estão atualmente a ter aulas de português fornecidas pelo governo. Contudo, Wilson admite que aprender uma nova língua não tem sido fácil.
“A língua portuguesa é muito difícil”, diz Wilson, explicando que fala japonês e espanhol, bem como “alemão, dinamarquês e francês ao nível de turista”.
“Sou muito bom com línguas. Mas o português é um desafio para aprender. Não achamos que seja fácil. Achamos que é gerível. Algumas pessoas, especialmente pessoas da nossa idade, não a consideram gerível.”
O casal também teve de mudar a forma como abordam as pessoas, em particular quando precisam de lhes perguntar sobre coisas como lojas, após terem reparado que a sua abordagem direta nem sempre era bem recebida.
“Os meus amigos portugueses ensinaram-me que primeiro é preciso reconhecer a humanidade das pessoas”, diz Wilson,
“E isso faz-se dizendo ‘Bom dia, como está?’ E elas dizem ‘Estou bem, e a senhora?’ E assim que se faz isso, é como uma chave mágica que nos abre a porta a um bom serviço.”
Wilson explica que considera esta atitude uma lufada de ar fresco, já que o foco está solidamente nas pessoas e nas relações interpessoais.
“A ética delas não é primeiro o emprego ou primeiro o dinheiro”, acrescenta. “A ética delas é a família e o lazer… E isso é revigorante, ver as pessoas a valorizarem as relações acima de uma corrida de ratinhos. O ratinho aqui morreu, não há espaço para isso.”
Wilson abraçou calorosamente o estilo de vida português em particularmente o foco na comida, que é há muito uma grande parte da sua vida.
“As pessoas comem juntas a toda a hora”, diz. “Domingo é considerado o dia da família. Então há uma grande refeição de família em que as mães e os pais e toda a gente se juntam para comer.”
“As mulheres portuguesas da minha idade estão sempre a cozinhar. Passamos muito tempo com elas a aprender sobre comida portuguesa.”
Embora Wilson e Bjork tivessem originalmente planeado usar Portugal como “ponto de partida” para viajar pelo resto da Europa, têm dado por si demasiado ocupados a lidar com todas as tarefas inerentes à mudança para um novo país para se aventurarem para muito longe.
“Há muita coisa para fazer”, diz Wilson. “Desde as coisas do governo, obter o teu cartão de residência. Depois é preciso transferir a carta de condução para cá e encontrar um carro [se conduzir].”
“É preciso comprar tudo [para a casa]. E tem de se tratar de tudo para a assistência médica e para ter acesso aos serviços públicos. É realmente um grande processo.”
O fator da acessibilidade
Quando questionada sobre se ela e o marido consideram Portugal mais acessível, Wilson refere que tudo depende das suas próprias experiências, destacando que os seus amigos portugueses “reagem um pouco” quando eles comentam o quão mais baratas as coisas são, que não são necessariamente baratas para eles.
“Cometemos esse erro”, admite. “Quando cá chegámos pela primeira vez, dizíamos ‘Oh, isto é praticamente de graça’. E tivemos de parar de dizer isso, porque estávamos a ofendê-los.”
Wilson sublinha que o que parece acessível para eles pode não ser muito acessível para um trabalhador português que ganha o salário mínimo.
“Muitas pessoa ganham o salário mínimo”, acrescenta. “E portanto… sim. Para os americanos, é barato viver aqui, se não viveres em Lisboa, no Porto ou no Algarve.”
“Esses sítios são o correspondente a tentar viver em São Francisco ou em Manhattan. Essas são cidades caras. Portanto se o desejo for viver num desses sítios, terão de pagar três vezes mais do que o que nós pagamos, provavelmente, em renda, comida, tudo.”
Durante a sua estadia em Portugal, o casal adotou duas gatas de rua, grandiosamente batizadas Doce Florabela de Portugal e Rainha Jóia Fofa Maria da Silva, através de uma organização sem fins lucrativos chamada The Kitten Connection.
Wilson tem estado a preparar comida para um evento de angariação de fundos que a organização está a alinhavar e também tem dado aulas de culinária regulares a um adolescente local.
“Ele adora comida asiática e não é assim tão fácil encontrar isso na Marinha Grande”, explica. “Então ocorreu-me esta ideia de que ele poderia aprender a cozinhá-la comigo.”
Ela e o marido organizam regularmente jantares, incluindo uma celebração anual do Dia de Ação de Graças, e participam em eventos locais, como concertos infantis e jogos desportivos.
Fazer parte de uma comunidade tão unida tem sido um sonho tornado realidade para Wilson, que diz que se cruzam quase sempre com alguém que conhecem quando saem de casa.
“Estamos aqui há mais de dois anos e estamos cada vez mais felizes com a decisão que tomámos”, adianta Wilson.
“Temos muitos amigos portugueses que nos têm ajudado a cada passo e que nos abriram as portas das suas casas e dos seus corações.”
‘Zero problemas’
Antes de se mudar para Portugal, Wilson estava muito cansada do clima político nos Estados Unidos, e estava particularmente preocupada com a violência armada.
“Eu digo às pessoas ‘Nós fugimos do país’”, conta. “A forma como tudo se estava a desenrolar… sentíamo-nos indignados e revoltados a cada minuto do dia.”
Desde que se mudou para Portugal, Wilson não voltou aos EUA e diz que não tem quaisquer planos para algum dia regressar.
“Voltarei para os EUA numa urna. Ponto final”, sublinha. “Não há literalmente nada que me fizesse sentir na obrigação de voltar aos EUA.”
Apesar de Wilson sentir falta da família e dos amigos, diz que é uma aventureira de gema e que nunca pretendeu passar o resto dos seus dias na América.
“Algumas pessoas já me perguntaram como é que pude deixar os meus filhos ou o que é que os meus filhos pensam sobre isto”, diz ela, sublinhando que os filhos já são adultos que têm as suas próprias vidas.
“E eu sempre viagem a vida toda sem eles, deixava-os e ao meu marido para ir viajar durante duas semanas por ano, todos os anos. Simplesmente porque isso era importante para mim.”
“Sou uma pessoa um pouco boémia. Por isso os meus filhos não esperavam nada menos do que [eu] fazer estas viagens, como se fosse algo estranho.”
Wilson e Bjork dizem que tiveram “zero problemas” desde que se mudaram para Portugal e que não podiam estar mais felizes.
Na verdade, as coisas correram tão bem que os outros são por vezes céticos quando eles partilham as suas experiências.
“As pessoas dizem ‘Tu vês tudo com um filtro cor de rosa’. Mas é tudo tão perfeito quanto eu o descrevo”, diz Wilson.
“O processo desenrolou-se sem qualquer problema para nós. Não é que isso aconteça assim com toda a gente – eu sei disso. Mas vou celebrar o que conseguimos. E o que temos tido é uma ótima experiência.”
Noticia Retirada da CNNPortugal
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